Dez
milhões de portugueses foram vítimas de uma fraude, que os fará passar anos de
miséria. Toda a gente acusa deste crime, único na nossa história recente,
entidades sem rosto como os “mercados”, a “especulação” ou meia dúzia de
agências de rating, que por motivos misteriosos resolveram embirrar com um
pequeno país bem comportado e completamente inócuo. Mas ninguém acusa os
verdadeiros responsáveis, que continuam por aí a perorar, como se não tivessem
nada a ver com o caso e até se juntam, quando calha, ao coro de lamúrias.
Parece que não há um único político nesta terra responsável pelo défice, pela
dívida e pela geral megalomania dos nossos compromissos. O Estado foi sempre
administrado com bom senso e parcimónia. Tudo nos caiu do céu. Certos
pensadores profissionais acham mesmo que o próprio regime que engendrou a
presente tragédia é praticamente perfeito e que não se deve mexer na
Constituição em que assenta. Isto espanta, porque a reacção tradicional
costumava a ser a de corrigir as regras a que o desastre era atribuível. Basta
conhecer a história de França, de Espanha ou mesmo de Portugal para verificar
que várias Monarquias, como várias Repúblicas, desapareceram exactamente pela
espécie de irresponsabilidade (e prodigalidade) que o Estado do “25 de Abril”
demonstrou com abundância e zelo desde, pelo menos, 1990. A oligarquia
partidária e a oligarquia de “negócios” que geriram, em comum, a administração
central e as centenas de sobas sem cabeça ou vergonha da administração local,
não nasceram por acaso. Nasceram da fraqueza do poder e da ausência de uma
entidade fiscalizadora. Por outras palavras, nasceram de um Presidente quase
irrelevante; de uma Assembleia em que os deputados não decidam ou votam
livremente; de Governos, que no fundo nem o Presidente nem a Assembleia
controlam; de câmaras que funcionam como verdadeiros feudos; de uma lei
eleitoral que dissolve a identidade e a independência dos candidatos. Vivendo a
nossa vida pública como vivemos, quem não perceberá a caracterizada loucura das
despesas (que manifestamente excede o tolerável), a corrupção (que se tornou
universal), os funcionários sem utilidade, o puro desperdício e, no fim, como
de costume, a crise financeira? A moral da coisa é muito simples: só se resolve
a crise mudando de regime.
(Vasco Pulido Valente, Opinião, Público, 15 Janeiro 2011)
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