(...) Começamos a aventura com Geralt algemado, desarmado e vulnerável numa pequena cela. A guardar a cela estão dois guardas com um divertido sotaque Britânico, obcecados em discutir um com o outro. Após alguns eventos somos levados para uma sala para ser interrogados por um homem de nome Vernon que nos "convence" a explicar os eventos que levaram à nossa prisão. Estes eventos são jogáveis na ordem que o jogador desejar e contam assim a história de uma forma retrospectiva. Estes funcionam como uma espécie de tutorial, com umas pequenas janelas que explicam os comandos do jogo, permitindo que o jogador salte rapidamente para a acção, aprendendo jogando. São também as memórias mais recentes de Geralt, e explicam os eventos que levaram à sua captura, e consequentemente a ser acusado pelo assassinato do Rei de Temeria, Foltest (lembram-se do tal evento dramático no final do primeiro ato?). O facto de serem contadas de forma retrospectiva permite ao jogador ter acesso à ação, e só depois ao enquadramento.
Este segmento inicial de eventos está muito bom, mas sugere uma estranha curva de aprendizagem/dificuldade, que vem depois a confirmar-se ao longo de todo o jogo. No final destes eventos iniciais que culminam com a nossa fuga e o assassinato de Foltest, teremos tido uma cena erótica com uma bela mulher, disparado uma balista de guerra, invadido uma torre repleta de guardas, assaltado uma cidade, e escapado das chamas de um Dragão. Jogamos através destes segmentos em modo de dificuldade normal, e o jogo ensinou-nos logo uma lição essencial para o resto da aventura, não saltar para o combate sem preparação prévia. Ao contrário do primeiro jogo da série, onde o combate funcionava por um sistema de stances (posturas), em The Witcher 2 o combate funciona num estilo mais "hack-and-slash", temos uma espada normal (steel sword) para combater inimigos humanóides, e a espada de prata (silver sword) para os monstros. Para além dos golpes com espada temos à disposição vários tipos de magia, e uma série de bombas, poções, e armadilhas, indispensáveis quando enfrentamos vários inimigos ao mesmo tempo.
Ironicamente à medida avançamos no jogo e fomos gastando os nossos pontos de talentos o jogo foi ficando mais fácil. É certo que nunca deixou de ser exigente, mas ainda assim longe da loucura de dificuldade da primeira parte. Claro que é normal num RPG o protagonista ir ficando mais forte à medida que vai subindo de nível, ainda assim, vou continuar na dúvida se os produtores quiseram fazer a parte inicial especialmente difícil para educar os jogadores a utilizar todas as armas ao seu dispor, ou se foi apenas mau design da curva de dificuldade.
A interface ainda ajuda a complicar mais a aprendizagem, já temos que prestar atenção a demasiadas coisas ao mesmo tempo. O nosso Target atual, a barra de vigor, a barra de vida, os buffs e debuffs, o spell equipado, os itens equipados, tudo isto ao mesmo tempo que prestamos atenção aos nossos golpes. Acreditem, não é fácil de dominar antes de umas boas horas, e muitas mortes. Depois de nos habituarmos definitivamente ao combate e ganharmos alguns níveis, as cenas de acção tornam-se extremamente gratificantes. Utilizar o escudo mágico (Quen) antes de saltar para o combate é extremamente importante, depois podemos lançar uma bomba, imobilizar ou controlar a mente de um adversário mais forte, e saltar com a nossa espada desferindo golpes rápidos (clique no botão esquerdo), alternados com golpes mais poderosos (clique no botão direito) até sairmos vitoriosos.
Grelha de habilidades onde podemos gastar os pontos de talentos.
Apesar do objectivo do jogo parecer bastante óbvio até então, provar a inocência de Geralt, e capturar o verdadeiro assassino do Rei Foltest. Mais tarde a linha narrativa do jogo desenvolve-se através de uma série de intrigas tanto a nível pessoal como político, muito para além do assassínio do Rei. As acções de Geralt não servem apenas para chegar mais perto da verdade acerca dos eventos do jogo, como permitem a Geralt conhecer mais sobre ele mesmo à medida que recupera a memória. Os aliados e inimigos que vamos fazendo durante a nossa jornada alteram de forma dramática os acontecimentos. Logo no final do primeiro ato por exemplo, temos a opção de assistir Iorveth ou Roche, mediante a nossa escolha os eventos do segundo ato mudam drasticamente. Os diálogos que escolhemos têm uma influência directa na história e na forma como interagimos com os NPCs durante o jogo. Mesmo os eventos menores das quests opcionais têm repercussões mais tarde na aventura, deixando o futuro totalmente dependente das nossas decisões. Podemos escolher a típica via pacifica versus via agressiva. Podemos completar quests de uma forma mais silenciosa (stealth) ou pelo contrário de um modo mais "afirmativo".
Algo que The Witcher 2 consegue proporcionar de forma brilhante, e que vários jogos do mesmo género falharam no passado, é a completa ausência de moralidade nas escolhas que propõe, ou seja, o jogo faz tudo para não distinguir uma boa decisão de uma má decisão. Por vezes a ambiguidade das opções obrigam o jogador a escolher aquela que entendem ser a opção "menos má", por exemplo, imaginem ter que escolher entre se aliarem a um grupo de criminosos que passavam a vida a tentar matar-vos, ou um grupo de idiotas que insistiam em vos insultar. Ou imaginem ajudar uma pobre mulher indigente, para depois descobrir que a única forma de ela pagar o favor de volta é com o próprio corpo. O que existe de genial nestas decisões ambíguas, é que a certa altura damos por nós a julgar não aquilo que será a melhor opção segundo as regras do jogo, mas antes a julgar a nossa própria posição pessoal, lembrem-se apenas disto, o jogo fará tudo para que sejam responsabilizados pelas vossas escolhas. Um pequeno aparte, adoro quando um jogo me faz parar para olhar para dentro, talvez um dia possa explicar a diferença entre escolhas e cálculos nos videojogos, por vezes confundem-se, mas são coisas muito diferentes.
Menos um!
O mundo do jogo continua fiel à serie, num tom negro e maduro, mas estranhamente autêntico. Uma terra de monstros, criaturas sobrenaturais e magia, mas que consegue distinguir-se do tipo de personagem estereótipo que costuma aparecer neste tipo de mundos de fantasia. Por exemplo os Elfos e Anões são alvo de um forte racismo por parte dos humanos. Por vezes os próprios supostos heróis são indivíduos sexistas, alcoólicos e arrogantes. As pessoas comuns vivem as suas vidas carregadas pelo medo e incerteza. Grupos livres de escrúpulos lutam pelo extermínio de outros, e pelo controle do poder. Os líderes, que aparentemente são mais "normais", frequentemente escondem segredos mais sombrios que o pior dos inimigos. Mesmo o nosso herói Geralt e os seus companheiros estão longe de ser os "bons da fita", no final de contas ninguém quer jogar The Witcher 2 com uma espécie de super-homem, exemplo de integridade.
Aliado a este mundo negro e imensamente complexo, está um ambiente visual fantástico e graficamente do melhor que vi até hoje. Primeiro a estética e o design visual estão fenomenais, e transmitem uma imediata conexão com o tom negro e provocador do jogo. Excelente alternância entre efeitos de luz e sombras, os edifícios, as masmorras, as cores, tudo parece comunicar à medida que exploramos os vários ambientes. Os pormenores nas ruas indicam um cuidado especial em retratar uma Sociedade medieval suja e degradada, em contraste com torres e castelos imponentes.
Apesar de exigir uma máquina poderosa, a renderização também está fabulosa, mesmo jogando num nível de qualidade gráfica baixo. O jogo utiliza a tecnologia DirectX 9 em vez do novo DirectX 11, ainda assim, os cenários estão absolutamente deslumbrantes, e fundamentalmente nota-se um cuidado especial com o pormenor. Podemos admirar as penas de uma harpia individualmente, se repararem nos muros verão que as pedras não são uniformes e têm diferentes tamanhos, conseguimos ver o reflexo da luz nos objetos a mudar mediante a nossa posição, existe uma enorme variedade de vegetação por todo lado, e nem vou comentar em relação à textura da pele das personagens, nomeadamente das companheiras de Geralt, deixo ao vosso juízo.
Fantástico o pormenor das feridas no corpo de Geralt.
As animações das personagens estão muito bem conseguidas, notam-se algumas expressões faciais a mudar de forma dinâmica conforme os nossos diálogos, algo que saliento é muito difícil de animar mesmo com a tecnologia actual. Ainda assim neste campo existem algumas falhas. Em primeiro lugar o conhecido efeito "novela Mexicana", por vezes o tempo da voz não corresponde da melhor maneira ao movimento dos lábios. Em segundo lugar, algumas animações como subir uma escada, ou abrir uma porta tornam-se irritantes ao fim de algum tempo, já que Geralt insiste em faze-lo com estilo, obrigando a que nos coloquemos na posição certa e esperemos que ele faça a animação de preparação. Por último as animações do combate estão espectaculares, mas são difíceis de controlar. Existiram muitas situações em que os inimigos me apanharam no meio de uma animação de ataque, enquanto eu gritava "não era isso!".
De um modo geral os sons (gritos, espadas, chuva, etc.) estão melhores do que a própria banda sonora em si, no entanto, a música está competente e fiel ao estilo tradicional da fantasia. A interpretação das vozes varia entre o muito bom e o embaraçoso, apesar de alguns sotaques serem engraçados. Já o actor que fez de Geralt parece não ser dado ao lado dramático, muito frio e afirmativo, propositado talvez. Pessoalmente, julgo que The Witcher 2 é para ser jogado com calma, não perder nenhum cenário, ler todos os livros e textos, conversar com os locais, e explorar todos os cantos possíveis. Para além das quest ligadas à linha principal da história o jogo traz algumas side-quests, que apesar de não serem muitas, são longas e por vezes requerem um trabalho árduo com várias etapas. The witcher 2 conta ainda com um sistema de crafting que levará frequentemente o jogador a perseguir materiais raros e quests particulares. Contem também com centenas de armas, bombas, armadilhas, poções, óleos, ervas, e até um conjunto de mini jogos como dice poker, fist fighting e arm wrestling que servem para ganhar algum dinheiro (oren) e passar o tempo.
Exemplo do menu para crafting.
The Witcher 2: Assassins of Kings com mais algum cuidado poderia chegar ao grupo dos melhores de sempre, mesmo sem nada especialmente inovador. O jogo demora a prender o jogador, mas torna-se perigosamente absorvente após algumas horas de jogo. Oferece cerca de metade do tempo de jogo do primeiro, aproximadamente 30 horas, mas tem um replay value fantástico, ou seja, é muito provável que tenham vontade de repetir a aventura, tendo em conta as possibilidades imensas que a história proporciona. Queria evitar falar do final, mas parece-me que o jogo (no tal terceiro ato se ainda se lembram) deixa demasiadas "pontas soltas", muito provavelmente para conteúdo futuro, ou quem sabe, uma sequela. O epílogo varia imenso conforme as escolhas que fizemos durante o jogo, desde os nossos aliados à chegada a Loc Muinne, até mesmo ao destino dos nossos companheiros.
Apesar de se notar alguma preguiça na falta de funcionalismo de alguns menus, e uma curva de dificuldade estranha, The Witcher 2" proporciona uma das experiências mais ricas que tive com um RPG nos últimos tempos, principalmente em termos de caracterização e storytelling. Sim o jogo tem cenas eróticas, não sei se são demasiado fortes, digamos que são do mais erótico que vi em videojogos. Sim os diálogos são carregados de linguagem menos simpática. Sim o jogo trata o jogador como um adulto, recompensa-o como tal, e pune-o de igual forma. Os fãs de hack-and-slashpoderão ficar desiludidos, os amantes de RPG vão adorá-lo. Eu vou para a segunda rodada.
Aníbal Gonçalves in EuroGamer
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