terça-feira, 30 de julho de 2013

Intervalo


Quem te disse ao ouvido esse segredo 
Que raras deusas têm escutado — 
Aquele amor cheio de crença e medo 
Que é verdadeiro só se é segredado?... 
Quem te disse tão cedo? 

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo. 
Não foi um outro, porque não sabia. 
Mas quem roçou da testa teu cabelo 
E te disse ao ouvido o que sentia? 
Seria alguém, seria? 

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei? 
Foi só qualquer ciúme meu de ti 
Que o supôs dito, porque o não direi, 
Que o supôs feito, porque o só fingi 
Em sonhos que nem sei? 

Seja o que for, quem foi que levemente, 
A teu ouvido vagamente atento, 
Te falou desse amor em mim presente 
Mas que não passa do meu pensamento 
Que anseia e que não sente? 

Foi um desejo que, sem corpo ou boca, 
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse 
A frase eterna, imerecida e louca — 
A que as deusas esperam da ledice 
Com que o Olimpo se apouca. 

Fernando Pessoa in "Cancioneiro"

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