Na mitologia grega, Ícaro (em grego, Ἴκαρος – Íkaros — em latim, Íkaros e em etrusco, Vicare) era o filho de Dédalo e é comummente conhecido pela sua tentativa de deixar Creta voando.
O pai de Ícaro, Dédalo, um talentoso e notável artesão ateniense, tentou deixar o seu exílio na ilha de Creta, onde se encontrava com o seu filho preso as mãos de Minos, o Rei da Ilha para o qual tinha construído o Labirinto onde se encontrava confinado o Minotauro (metade homem, metade touro).
Dédalo, o Artesão chefe, estava exilado uma vez que tinha ajudado a filha de Minos, Ariadne, a ultrapassar o Labirinto dando-lhe um novelo de linha de modo a que esta por sua vez pudesse ajudar Teseu por quem estava apaixonada e embora fosse um inimigo do seu pai, Minos. E desta forma Ariadne ajudou o seu amado a sobreviver ao Labirinto e a derrotar o Minotauro.
Dédalo e o seu filho encontravam-se desta forma detidos no próprio labirinto por eles construído e não encontravam forma de obter de novo a sua liberdade.
— Meter-se com reis dá nisto, Ícaro! — dizia o inventor Dédalo, desconsolado, ao seu filho, que o observava. Ambos estavam presos no labirinto de Creta, encomenda que o rei Minos fizera ao próprio Dédalo para encerrar o Minotauro, flagelo da cidade. O Minotauro fora derrotado, mas Dédalo caiu em desgraça perante o Rei, pois proporcionara a princesa Ariadne o novelo de fio que entregou por sua vez a Teseu e o que este usou para fugir do labirinto após matar o Minotauro. Minos, que não esperava que Teseu derrotasse o monstro, passou a ver Dédalo como traidor e fê-lo provar, junto com o filho Ícaro, um pouco do seu próprio “remédio”.
Um dia os dois estavam a contemplar o azul do céu, sentados numa colina como usualmente o faziam, quando Dédalo deu uma palmada repentina na testa:
— Já sei, Ícaro, o que faremos!
Sem dizer mais nada, começou a descer o rochedo, acompanhado pelo filho, que o seguia apressadamente. O jovem sabia que o pai era muito inventivo e que estava sempre com a cabeça cheia de novos projectos. Preferiu deixar que a ideia amadurecesse na cabeça do velho enquanto desciam. Mal chegaram à base da ilha, o seu velho pai disse-lhe:
— Vamos, pega nas minhas ferramentas.
E partiu em busca de algo. Quando Dédalo retornou, os seus braços estavam repletos de penas de aves, que ele abatera com a eficiência de um experiente caçador.
— O que pretende fazer, pai, com todas estas penas? — perguntou Ícaro.
Sem lhe dar resposta, Dédalo começou a serrar pedaços de madeira, começando a dar forma a sua ideia e assim das suas mãos começaram a surgir duas grandes armações, que se assemelhavam na perfeição ao esqueleto de uma asa.
— O que é isto, uma fantasia? — questionou Ícaro, ao ver o pai colar as penas nas varas de madeira.
— Tudo se inicia pela fantasia, meu Ícaro... — disse o velho, com o ar sonhador.
Logo Dédalo tinha nas mãos um grande e alvo par de asas.
— Vamos, filho, ajuda-me a colocá-las nas costas!
Ícaro, que naturalmente já entendera o plano, ajudou-o, empolgado pela ideia. E não tinha ainda Dédalo acabado de colocar o par de asas as costas, já os seus pés se tinham começado a erguer-se do solo.
— Funciona! — exclamou Ícaro, sentindo no rosto suado o vento refrescante das asas do pai.
— Vamos, Ícaro, vamos construir umas para ti também!
Os dois passaram o resto do dia aplicados a aperfeiçoar o mecanismo das asas artesanais.
— Aqui está a nossa liberdade! — disse o Dédalo, ao colar as últimas penas nas armações.
— Mas serão sólidas o bastante para atravessarmos o oceano? — perguntou Ícaro.
— Claro! — respondeu Dédalo — O único cuidado que devemos ter é não nos aproximarmos muito do sol, pois o calor poderia derreter a cera que prende as penas.
No dia seguinte, bem cedo, subiram para o alto de uma torre, carregando cada um com afectuoso cuidado o seu par de asas. Exaustos, descansaram um pouco até que Ícaro, impaciente para testar o seu equipamento, ajustou as suas asas às costas.
— Veja, pai, estou a voar! — disse o rapaz, sem conter a sua euforia.
Deu várias voltas ao redor da torre, perdendo aos poucos o medo da altitude, por sua vez o seu pai também circundou a ilha munido das asas para comprovar a sua resistência.
— Basta de preparativos! — disse Dédalo. — Vamos embora!
Pai e filho, juntos, colocaram os pés sobre a amurada, no ponto mais alto da torre, abaixo deles o mar espumava, embatendo violentamente contra os recifes negros que pontilhavam toda a costa.
— Agora! — ordenou Dédalo.
Os dois lançaram-se no vazio e batendo os braços, de maneira tão ritmada que pareciam dois pássaros a dividir o azul do céu com as gaivotas, começaram a voar.
— Não se esqueça do sol! — dizia de vez
No começo os dois lutaram um pouco contra as correntes de ar, que lhes roubavam momentaneamente o equilíbrio. Às vezes, o pai buscava apoio nos braços do filho, às vezes, o filho recorria ao auxílio do pai. Já haviam deixado há muito tempo a ilha e agora não havia outro jeito senão mover os músculos com vigor, tentando poupar ao máximo o fôlego. Dédalo ainda estava entregue ao deslumbramento quando percebeu que seu filho havia desaparecido.
— Ícaro, onde estás? — disse, inquieto.
O jovem, muito distante dali, planava nas alturas. De olhos cerrados, Ícaro lançara-se num voo cego, para além das nuvens. Após ter ultrapassado a linha dos grandes e acolchoados montes brancos, ficou a pairar sobre eles, enquanto o sol arrancava um brilho intenso de suas asas. Sua pele reflectia um tom dourado e parecia que ele era o próprio filho do Sol.
— Queria ficar aqui para sempre! — disse, inebriado de liberdade.
Enquanto agitava as asas, percebeu que uma grande pena lhe roçou o nariz. Os seus olhos acompanharam a pena em queda rodopiando pelo espaço sem limites até desaparecer misturada no branco das nuvens. Ícaro passou as costas das mãos sobre a testa suada. Uma deliciosa rajada de vento refrescou sua pele ao mesmo tempo em que percebeu que um grande tufo de penas se espalhava ao seu redor, como se um imenso travesseiro tivesse sido rasgado e ficasse esvaziado de todo o seu conteúdo. Grossos fios de cera derretida escorriam pelas armações, atingindo os seus braços. Com um grito de medo, Ícaro percebeu que a estrutura das asas se desfazia. Procurou esconder-se sob as nuvens, mas o sol tornara-se tão intenso que desmanchava as próprias nuvens. Ícaro percebeu que era o seu fim:
— Socorro, pai! — gritou.
Entretanto, sua voz perdeu-se no vácuo. Seu pai, longe dali, estava impotente para lhe prestar qualquer auxílio. Desistindo, finalmente, de tentar recuperar altura, Ícaro abandonou-se ao destino, caindo em queda livre nas águas revoltas do oceano.
Enquanto isto, Dédalo vasculhava os céus.
— Ícaro, meu filho, responda! — clamava inutilmente.
Durante muito tempo Dédalo vagou, fugindo sempre ao calor do sol, até que avistou sobre as ondas algumas penas. Sobrevoando mais um pouco o local, Dédalo acabou por avistar o corpo do filho atirado para às margens de uma das praias. Depois de tomá-lo nos seus braços, ficou um longo tempo abraçado a ele. Com o coração despedaçado, como as asas de Ícaro, Dédalo enterrou-o no mesmo local, que se passou a chamar Icária, em sua homenagem.
1 comentário:
Ícaro
O sol dos sonhos derreteu-lhe as asas
E caiu lá do céu onde voava
Ao rés-do-chão da vida.
A um mar sem ondas onde navegava
A paz rasteira nunca desmentida...
Mas ainda dorida
No seio sedativo da planura,
A alma já lhe pede, impenitente,
A graça urgente
De uma nova aventura.
Miguel Torga, Diário, XII
A moving story!
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